domingo, 8 de fevereiro de 2009

A janela


Todos os dias a mesma cena se repetia: Célia acabava de varrer a sala, ligava o rádio e ia para a janela.

Era uma rua com pouco movimento, quase uma vila. Pouco carro passava por ali, pois o caminho levava nada a lugar algum. Somente os moradores tinham alguma coisa para fazer. Uns iam à igreja. Outros à padaria. Algumas crianças brincavam na calçada enquanto os idosos se movimentavam com as bengalas, bem devagar.

Nada de mais importante acontecia. Todos os dias.

Célia ficava ali por horas. Só saía de sua posição quando a necessidade fisiológica a chamava. E eram poucas as vezes que isso acontecia.

Se não fosse a janela, bastaria a cama para Célia passar os seus dias. Nem mesmo a sala mereceria ser varrida, pois não haveria vento trazendo a poeira janela adentro.

Pela janela, Célia não via muita coisa. O marasmo tomava conta do cenário. As pessoas que iam de manhã eram esperadas de noite fazendo o caminho inverso. O ritmo era esse: ir e vir. Sem sustos, sem pressa. Nem mesmo o mendigo fazia algum movimento diferente digno de registro. Até mesmo os pombos vinham comer o milho jogado por alguém sempre no mesmo banco de praça.

Quando o sol se punha, também num movimento previsível, era o momento de a janela se fechar e Célia desligar o rádio e voltar para o quarto, aguardar o dia seguinte.

Quem passava pela janela sabia que Célia estaria ali. Só não sabiam o por quê. A pergunta ficava na cabeça de todos. Até mesmo o mendigo se pegava com o questionamento. Mas a pinga era mais convidativa, era mais certa.

Os dias se passavam e Célia segua seu ritual. Até que um dia o mendigo engasgou na golada da cachaça. As crianças pararam de brincar. Os idosos diminuiram o passo e as pessoas não mais iam nem vinham: ficaram imóveis. Dizem que até o sol se fixou.

O dia raiava mas a janela estava fechada.

A janela estava lá. Célia não.

A sala não foi varrida nem o rádio foi ligado. A janela estava fechada e não deixava entrar poeira. Não deixava entrar nada.

Os olhares se voltaram para a porta da casa de Célia. A tranca se move e a porta abre.

Célia saiu.